Materializando evidências paralelas:
narrativas sobre corpo, saúde e doença nas redes sociais
Keywords:
evidências paralelas, medicina baseada em evidências, gênero e ciência, redes sociais, corpo e saúdeAbstract
Nas últimas décadas, nota-se a conformação de um certo tipo de associativismo digital, centrado em questões relacionados ao corpo e à saúde, que se caracteriza pela publicização de testemunhos relativos às experiências corporais-subjetivas. A conjunção dessas narrativas, só possível no contexto das redes sociais, revela um grande volume de informações e uma densidade no detalhamento das trajetórias de vida. Esses relatos se constituem em contraste àquilo que é admitido pela medicina oficial, apregoada nas instituições, normativas e publicações reconhecidas. Sugiro que se trata de um fenômeno múltiplo e variado, com contornos pouco definidos, mas que, de maneira experimental, poderia ser reconhecido como um processo de produção de “evidências paralelas”. Este conceito dialoga com a discussão acerca das controvérsias em torno da Medicina Baseada em Evidências (MBE). E é compreendido como efeito de uma rede heterogênea de elementos, dentre os quais se destacam as tecnologias biomédicas e de comunicação via as redes sociais. A perspectiva teórica deste trabalho tem inspiração em autoras feministas que analisam ciência e tecnologia por meio da abordagem centrada no materialismo relacional e nos processos de materialização.
Downloads
References
ALAIMO, Stacy; HEKMAN, Susan. Material feminisms. Bloomington and
Indianapolis: Indiana University Press, 2008.
BARAD, Karen. Getting real: technoscientific practices and the materialization of reality. Differences, 10(2):87–128, 1998.
BARAD, Karen. Posthumanist performativity: toward an understanding of how matter comer to matter. Signs: Journal of Women in Culture and Society, 28(3):801-831, 2003.
BARAD, Karen. Meeting the universe halfway: quantum physics and the
entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press, 2007.
BOHANNON, Cat. Eve: how the female body drove 200 million years of human evolution. New York: Alfred A. Knopf, 2023.
BOWKER, Geofrey; STAR, Susan L. Sorting things out: classification and its consequences. Cambridge, MA: MIT Press, 1999.
BRIGGS, Charles. Ecologies of evidence in a mysterious epidemic. Medicine, Anthropology, Theory – MAT, v. 3, n. 2, p. 149-162, 2016.
BUTLER, Judith. Bodies that matter. New York/London, Routledge, 1993.
CAVALHEIRO, Camila Silveira. Só aumenta a musculatura, ‘desfeminiza’ e cria pelo: Riscos, eficácias e efeitos colaterais no uso da gestrinona (1966-2023). Dissertação (Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2024.
CHAVES, Cecília Maria Silveira. Como viver sem meu Prozac? Uma análise antropológica dos discursos sobre o consumo de fluoxetina em um site de relacionamentos, Dissertação (Saúde Coletiva) Instituto de Medicina Social - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007.
CLARKE, Adele E.; Shim, Janet; Mamo, Laura; Fosket, Jennifer; and Fishman, Jennifer (eds.). Biomedicalization: Technoscience and Transformations of Health and Illness in the U.S. Durham: Duke University Press, 2010.
CORONEOS, Christopher; SELBER, Jesse; OFFODILE II, Anaeze; BUTLER Charles; CLEMENS, Mark. “US FDA Breast Implant Postapproval Studies Long-term Outcomes in 99,993 Patients”. Annals of Surgery, 269(1), p. 30-36, January 2019.
DUMIT, Joseph. Drugs for life: How Pharmaceutical Companies Define Our Health. Duke University Press/Durham and London: 2012.
DUQUE, Aline. Corporalidade e Sociabilidade: A internet e os jovens portadores de Osteogênese Imperfeita. Dissertação (Saúde Coletiva) Instituto de Medicina Social - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010.
FARIA, Lina; OLIVEIRA-LIMA, José Antonio de; ALMEIDA-FILHO, Naomar. “Medicina baseada em evidências: breve aporte histórico sobre marcos conceituais e objetivos práticos do cuidado”. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.28, n.1, jan.-mar., p. 59-78, 2021.
FONSECA, Claudia. Evidências, experiências e endemias: fatos científicos nas políticas de combate à hanseníase. Anuário Antropológico [Online], v.45 n.2, 2020, DOI: https://doi.org/10.4000/aa.5871
GREENHALGH, Trisha; HOWICK, Jeremy; MASKREY, Neal. Evidence based medicine: a movement in crisis? BMJ, v. 348, 2014.
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu. No. 5, p. 7-42, 1995.
HARAWAY. Donna. The Haraway reader. New York/London: Routledge, 2004.
HARDON, Anita; SANABRIA, Emilia. “Drogas Fluidas: revisitando a antropologia dos fármacos”. Tradução de Isabel Santana de Rose. Ilha – Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 25, n. 1, e91717, p. 263-285, jan. de 2023.
HIRD, Myra J. Feminist engagements with matter. Feminist Studies. 35(2), p. 329-346. 2009.
HIRD, Myra J.; ROBERTS, Celia. Feminism theorises the nonhuman. Feminist Theory 12(2), p. 109-117, 2011.
INVERSINI, Janaína Freitas. Errar (biologicamente) é humano: estudo antropológico sobre as práticas de (des)materializações embrionárias através de testes pré-implantacionais. Tese (Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2021.
JASANOFF, Sheila. States of knowledge: the co-production of science and social order. New York: Routledge, 2004.
KIRBY, Vicki; WILSON, Elizabeth A. Feminist conversations with V. Kirby and E. A. Wilson. Feminist Theory 12(2), p. 227-234, 2011.
KLÖPPEL, Bruna. A produção da segurança da pílula anticoncepcional: biomedicalização e gênero na ginecologia brasileira. Tese (Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2022.
KLÖPPEL, Bruna. Gênero e sexualidade nas práticas de percepção da fertilidade. Dissertação (Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017.
LAW, John. After ANT: complexity, naming and topology. In: LAW, J and HASSARD, J (eds) Actor–Network Theory and After. Oxford: Blackwell, p. 1–14, 1999.
LAW, John. After Method: Mess in Social Science Research. New York: Routledge, 2004.
LAW, John. and MOL, Annemarie. Notes on materiality and sociality. The Sociological Review 43, p. 274–294, 1995.
LORBER, Judith. Gender and the social construction of illness. London: Sage, 1997.
MARTIN, Emily. The Woman in the Body. A Cultural Analysis on Reproduction. Boston: Beacon Press, 1992.
MOL, Annemarie. Ontological politics: a word and some questions. In: LAW, J and HASSARD, J (eds) Actor–Network Theory and After. Oxford: Blackwell, p. 74–89, 1999.
MOL, Annemarie. The Body Multiple: Ontology in Medical Practice. Duke University Press, 2002.
MOL, Annemarie. Mind your plate! The ontonorms of Dutch dieting. Social Studies of Science 43 (3), p. 379–396, 2012.
MOL, Annemarie. and LAW, J. Regions, networks and fluids: anaemia and social topology. Social Studies of Science 24, p. 641–671, 1994.
OUDSHOORN, Nelly. “Astronauts in the sperm world: the renegociation of masculine indentities in discourses on male contraceptives”. Men and masculinity, 6, p. 349-367, 2004.
OUDSHOORN, Nelly. Beyond the natural body: an archeology of sex hormones. London: Routledge, 1994.
OUDSHOORN, Nelly. The male pill: a biography of technology in the making. Durham: Duke University Press, 2003.
OUDSHOORN, Nelly; PINCH, Trevor (ed.). How Users Matter: The Co-Construction of Users and Technology. Cambridge, MA: MIT Press, 2003.
PISSOLITO, Camila. Um novo capítulo para velhos problemas: o compartilhamento online de experiências e o uso da pílula anticoncepcional. Dissertação (mestrado) – Divulgação Científica e Cultural. Instituto de Estudos da Linguagem e Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2021.
POGLIA, Mário Eugênio Saretta. Feitos e efeitos do placebo: corpo, dor e realidade a partir da antropologia social. Tese (Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2019.
RABINOW, Paul. Artificiality and enlightenment: From sociobiology to biosociality. In Incorporations, edited by J. Crary and Standford Kwinter, p. 234-252. New York: Zone, 1992.
ROBERTS, Celia. Puberty in crisis: the sociology of early sexual development. New York: Cambridge University Press, 2015.
ROHDEN, F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, Coleção Antropologia e Saúde, 2009.
ROHDEN, Fabíola. O dispositivo ‘antes e depois’ nas cirurgias estéticas íntimas: novas formas de materialização das normas de gênero. Sexualidad, Salud y Sociedad, p.e22201.a, 2023. [https://www.scielo.br/j/sess/a/SK6fHrh3DB4XnS8XwB6gMHn/]
ROHDEN, Fabíola; CAVALHEIRO, Camila Silveira. ‘Diários de cirurgia’: corpos, subjetividades e intimidades digitalizadas. Horizontes Antropológicos (online). v.30, p.e680404, 2024. [doi:10.1590/1806-9983e680404]
ROHDEN, Fabíola; CAVALHEIRO, Camila Silveira. ‘Me sinto outra pessoa’: testemunhos de transformação via modulação hormonal bioidêntica. Ilha – Revista de Antropologia. v.25, p. 199 - 217, 2023. [doi:10.5007/2175-8034.2023.e85477]
ROHDEN, Fabíola; CAVALHEIRO, Camila Silveira. Tecnologias de investimento e transformação de si via as imagens de ‘antes’ e ‘depois’. R@u. v.14, p. 219 - 238, 2022. [https://http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2023/07/14.2-11.pdf]
ROHDEN, Fabíola; CORRÊA, Amandha Sanguiné. Nas fronteiras entre saúde, beleza e aprimoramento: uma análise sobre a Síndrome dos Ovários Policísticos. Ciência & Saúde Coletiva. v.29, p.e05122023, 2024. [doi:10.1590/1413-81232024292.05122023]
ROHDEN, Fabíola; SILVA, Jéssica Brandt da. ‘Se não for pra causar nem quero’: a visibilidade das transformações corporais e a produção de feminilidades por meio das cirurgias plásticas. Cadernos Pagu. v.1, p. 1 - 27, 2020. [doi:10.1590/18094449202000590014]
SACKETT, David L. et al. Evidence-based medicine: what it is and what it isn’t. BMJ, v.13, n.312, p. 71-72, 1996.
SILVA, Jéssica Brandt da. Doença do silicone e internet: reconfigurando possibilidades nas trajetórias de mulheres com implantes de silicone. Dissertação (Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2021.
SILVA, Marcelle Jacinto da. Ame seu corpo, inclusive sua vagina: estudo sociológico da produção discursiva sobre “autoestima vaginal” e “empoderamento feminino” nas mídias digitais. Tese (Sociologia) Universidade Federal do Ceará, 2019.
STELET, Bruno Pereira. Medicina narrativa e medicina baseada em evidências na formação médica: contos, contrapontos, conciliações. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.
SWANSON, Eric. Analysis of US Food and Drug Administration Breast Implant Postapproval Studies Finding an Increased Risk of Diseases and Cancer Why the Conclusions Are Unreliable. Ann Plast Surg. 82(3), p. 253–254. Mar 2019.
VIEGAS, Paula Rickes. Discurso médico-ginecológico em plataformas de mídia social: Relações de poder, gênero e Instagram. (Programa de Pós- Graduação em Comunicação e Informação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2022.
Downloads
Published
How to Cite
Issue
Section
License

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.